segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Atrás do PIB

Todo o mundo sabe o que é o Produto Interno Bruto (PIB) - aquele número que sinaliza como a economia está indo.  Crescimento bom fica em 4% ou para cima. Estagnação fica entre 1-2%, e recessão é quando dois trimestres seguidos ficam embaixo de 0%.  Ótimo. Agora vamos investigar o que está atrá deste número, como uma compreesão dele pode melhorar a qualidade de debates públicos, e qual é a situação atual do PIB no Brasil.

O que é o PIB & porque é Importante?

PIB é a produção numa economia dentro um prazo definido (e.g. um ano).  Imagine, mesmo se seja sem jeito, que tiver um produto só na economia e o preço dele é R$ 10 por quilo.  Se um milhão de quilos são vendidos nesse economia, o PIB calcula-se em R$ 10 milhão.  Agora, supor que alguém inventa um novo produto no ano seguinte com preço de R$ 10 por quilo e quinhentos mil quilos são vendidos.  Então, o PIB seria R$ 15 milhão e cresceu 50% entre esses dois anos (reeleja!).  Bom, no mundo real, tem milhares de produtos, vendidos aos preços diversas.  O PIB é o somatório de tudo isso.  Se os preços sejam estáveis entre anos, crescimento no PIB significa que a economia está produzindo mais quantidade por cada pessoa (mais carros, mais geladores, mais casas, mais serviços de saúde e ensino, etc).  Isso traduz em riqueza material, embora não seja exatamente bem-estar.  

Nos últimos 80 anos, o PIB per capta virou uma das medidas mais importantes (até a medida de referência) para bem-estar.  Mesmo assim, ouve-se frequentemente a critica que o PIB não mede bem-estar.  Será que seja um erro grande usar PIB em estatísticas oficias?  Numa crítica muito linda em 1968, o Senador Robert F. Kennedy observou que o PIB inclui ambulâncias para tirar corpos das estradas depois acidentes de carro, inclui vendas de cigarros que matam pessoas, processos industriais que causam poluição de ar, além de outros atividades que causam danos obvias ao ser humano.  Igualmente, ele aponta, PIB não inclui coisas boas como inteligência nos nossos debates públicos, integridade dos nossos líderes, sabedoria, poesia, nem a força de nossos relacionamentos.  Esse discurso é tão lindo que é uma pena como ele desentende a habilidade de riqueza material corrigir muitos desses pragas que ele cita.  Essa ambulância está lá para ajudar com uma tragédia que ia acontecer de qualquer jeito.  A invenção de tecnologia para limpar ar industrial e controlar poluição é crescimento do PIB.  E contrário ao o que ele fala sobre sabedoria e inteligência pública, tudo isso vem de uma boa educação pública - que é um compromisso caro. Levando tudo em conta, o PIB tem áreas cegas mas ainda serve porque é possível medir e correlaciona muito bem com outras medidas de bem-estar como as de saúde, educação, e até felicidade subjetiva    

Mais um motivo que o PIB é importante: Verba Pública

Como já escrevi, o PIB é o tamanho da economia e o crescimento dele representa crescimento de renda/riqueza material na sociedade.  Em muitos âmbitos da vida, é mais eficiente que os membros duma comunidade cooperam, formam um grupo, e contribuíram para juntar uma fatia da riqueza deles para comprar alguns bens como um grupo só.  Esses contribuições viram dinheiro público e talvez eles contratam alguém para comprar essas coisas para eles (e.g. um prefeito).  Segurança, bombeiros, estradas, e vigilância sanitária são exemplos de serviços que faz sentido comprar com dinheiro público.  As coisas complicam quando tiver desigualdades nesse grupo - daí não é todo o dinheiro público que será usado pelos serviços públicos.  Em vez disso, uma fatia do dinheiro público vai ser gastado nesses serviços e uma fatia será transferido para pessoas que compõem o grupo preferencial (e.g. idosos).

Independente do jeito em que o dinheiro público for usado, é importante por qualquer cidadão informado saber o tamanho das verbas disponíveis.  O PIB nós orienta neste área pois é o teto teorético que a sociedade tem disponível para gastar no esférico privado ou público.  Claro, um pais onde 100% do PIB fosse gastado pelo governo seria um país de uma carácter tão colectivo que seria desconhecido até agora na história do ser humano.  Vamos pegar um exemplo mais representativo do mundo atual.  Em 2011, o PIB do Brasil chegou ao R$ 4100 (Bilhão).  Todos os governos (União, Estados, municípios) arrecadaram R$ 1570, ou seja, 38% do PIB.  Mas para baixo neste artigo a gente vai ver que os governos brasileiros gastam em torno de 22% do PIB em serviços e administração, então isso significa que 16% do PIB é transferência pura.  A maioria disso é previdência e segurança social com os programas como o Regime Geral de Previdência Social, COFINS, PIS/PISEP e CPSS, que chegaram em 11% do PIB em 2011. 

Quase qualquer discussão inteligente e valioso sobre política doméstica no Brasil exige que os participantes têm conhecimento básico com os recursos públicos disponíveis.  As pessoas que não têm ligado no orçamento público fazem dois tipos de erros.  O erro mais comum na direita do espectro político é achar que a maioria do orçamento público é gastado em transferências para os pobres.  A gente já viu encima que isso é longe da verdade.  Ao outro lado, o erro mais comum na esquerda é não ter noção de que dinheiro público é um recurso limitado.  Se a gente quer fazer com que educação pública seja uma prioridade fiscal, ótimo.  Só que vai ter que aumentar os impostos (e.g. vai de 38% do PIB até 45% do PIB) ou gastar menos em outros serviços como saúde.  

Se os eleitores não tem entendimento dos recursos públicos disponíveis e como esse dinheiro público realmente é gasto, fica muito fácil para políticos abusar essas desentendimentos orçamentais quanto na direita tanto na esquerda.  Bom, vamos dar uma olhadinha no PIB do Brasil.

Os Métodos para Medir o PIB

Há três métodos de medir o PIB, dois deles trato aqui.  A gente já tocou no método de produção encima, que é o somatório de todo que foi produzido e vendido na economia.  Cabe dizer que esses preços incluem impostos, qual será óbvio bem logo quando a gente observe os números atuais.  Porque tem tantos produtos, muitas vezes é mais fácil para dividir a economia em setores em vez de produtos.  Em nosso caso, a gente vai usar os setores mais agregados do IBGE, que é agropecuária, indústria, e serviços.

Outro método para medir o PIB é aquele de "consumo."  A ideia aqui é que o PIB é o que produzido e consumido no país, mais exportação, menos importação.  Teoreticamente, isso seria igual ao somatório do que estava produzido no país.  É comum ver esse método expresso como:

  PIB = C + I + G + (X - M)

C significa consumo do consumidores, I é consumo final das empresas privadas (entendido como investimento).  G é consumo do governo (consumo e investimento).  X são exportações e M são importações.       

Observações através dos Últimos Anos

A figura 1 mostra o caminho do PIB anual do ano 2000 até 2013.  Esses números são em preços correntes (nominais), que são os preços daquele ano.  Os dados vem do IBGE's Contas Nacionais Trimestrais.    Em 2000, ficou em tornou de R$ 1200 bilhão e terminou 2013 a R$ 4800 bilhão.  Saber esses números nominais é útil se você estiver pensando em um ano específico ou até falando em termos de porcentagem do PIB.  Mas se você quiser fazer uma comparação através dos anos, um pouco mais trabalho é necessário.   

Fig 1: Crescimento & Contribuição dos Setores em PIB (preços correntes)

Talvez a característica mais importante do PIB Brasileiro nos últimos 14 anos é o crescimento dele e isso pede comparação através dos anos. Se os preços tivessem sido estáveis durante esse prazo, isso significaria que a produção do pais subisse (4800-1200)/4800 = 300%, ou seja - triplicou.  Mas os preços não ficavam estável, e por isso a gente tem que os ajustar para enxergar o crescimento em termos "reais."

Tab 1 contém o PIB em preços correntes em coluna B.  Esses números são exatamente iguais do que aparecem em Fig 1.  Se a gente usasse o taxa de crescimento do PIB nominal (coluna C), os números seriam estratosféricos e falsos pois uma boa parte desse crescimento seria crescimento do nível dos preços - não de produção.  Para corrigir esse problema, a gente coloca o PIB dos todos os anos nos preços de um ano só - o ano de referência.  Neste caso, o ano de referência é 2000.

Tab 1


A. Ano
B.  PIB-Nominal (Bilhão R$ em Preços correntes)
C.  Taxa de Crescimento (Nominal)
D.  Deflator
E.  PIB-Real (Bilhão R$ em Preços '00)
F.  Taxa de Crescimento (Real)
G.  Taxa de Crescimento (Real)
2000
1179

100,0
1179


2001
1302
10,40%
109,0
1195
1,31%
1,30%
2002
1478
13,49%
120,5
1227
2,66%
2,70%
2003
1700
15,03%
137,0
1241
1,15%
1,10%
2004
1941
14,21%
148,0
1312
5,71%
5,70%
2005
2147
10,60%
158,7
1353
3,16%
3,20%
2006
2369
10,35%
168,5
1407
3,96%
4,00%
2007
2661
12,32%
178,3
1492
6,10%
6,10%
2008
3032
13,94%
193,2
1570
5,17%
5,20%
2009
3239
6,83%
207,1
1564
-0,33%
-0,30%
2010
3770
16,38%
224,1
1682
7,53%
7,50%
2011
4143
9,89%
239,7
1728
2,73%
2,70%
2012
4392
6,01%
251,6
1746
1,03%
1,00%
2013
4845
10,31%
270,7
1790
2,49%
2,50%
fonte:
Calculado
Calculado
Calculado


O Bando Mundial fornece algo que se chama o GDP deflator (coluna D), que é uma proporção entre preços do ano a preços do ano referencial.  Para calcular coluna E, o PIB em termos reais, a gente divide o PIB em preços corrente por o deflator.  Agora, o PIB da coluna E fica em preços do ano 2000.  Em coluna F, a gente calcula a taxa de crescimento anual.  Por exemplo, a taxa de 2001 é ((1195-1179)/1179) = 1,31%.  É este taxa de crescimento que fica nos jornais e é discutido sempre em debates políticas.  Para validar nossas calculações, compare a nossa taxa de crescimento real em coluna F com a em Coluna G.  Coluna G é a taxa de crescimento real, fornecido pelo Banco Mundial e deve ser a mesma coisa da taxa do que a gente calculou.  Fica bem perto, então a gente pode ter algum confiança que todos esses números estão em concordância.  

Tabela 1 é útil como referência pois mostra o PIB nominal e o crescimento real de 2000 até 2013.  O PIB nominal é bom saber para discursos sobre dinheiro público e o caminho de crescimento real é bom para conversas sobre política econômica.

As Contas Nacionais e PIB nos Últimos 12 Meses

A gente pode aprender muito sobre a economia do Brasil com as Contas Nacionais Trimestrais, publicado pelo IBGE.  Tabela 2 mostra o PIB entre Julho de 2013 e Junho de 2014 (12 meses), de acordo com os dois métodos de calculação do PIB que a gente tocou encima - o método de produção e o método de consumo.  

Quanto o método de produção, Tabela 2 mostra a produção trimestral e anual de várious setores da economia. Da para ver que as setores agregados (agropecuária, indústria, e serviços) fica em acordo com Figura 1, que também divide o PIB por esses três setores. Agropecuária é 5% do PIB, Indústria é 20,7% do PIB, e serviços são 59,2 (quase 60%) do PIB.  Não vou cobrir todos os setores aqui, mas vale a pena dar uma olhada na tabela só para ter uma noção de quanto as atividades comuns contribuiem à economia brasileira.  Por exemplo, construção civil chegou a 223 bilhões de reais nos últimos 12 meses, ou seja - 223/4983 = 4,4% da economia.  Ou o setor de produção e distribuição de electricidade (e gas e água e limpeza urbana) fica em torno de 100 B por ano.  Recentemente as notícias sairam que o setor eléctrico tem custos elevados (por causa da seca) em torno de 16 Bilhão.  Ou seja - isso é muito quando comparado com o tamanho do setor.  Essas categorias são muito grossos, então só da para ter uma impressão básica com eles.  As Contas Nacionais do Brasil que são divulgados cada cinco anos tem mais setores.  

Tab 2


Brasil - Milhões de Reais (Valores a Preços Correntes – R$ Bilhões)
Setores e subsetores
jul-set 2013
out-dez 2013
jan-mar 2014
abr-jun 2014
Anual
Anual %
Método de Produção
Agropecuária - total
54.442
48.103
61.685
82.462
246.692
5,0%
Indústria - total
268.578
269.006
240.972
255.003
1.033.559
20,7%
       Extrativa mineral
45.993
48.391
47.273
40.136
181.793

       Transformação
140.536
137.072
117.954
135.793
531.355

       Construção civil
58.164
58.557
52.172
54.540
223.433

       Produção e distribuição de eletricidade, gás, água, esgoto e limpeza urbana
23.884
24.987
23.572
24.533
96.976

Serviços - total
710.031
773.374
716.219
750.067
2.949.691
59,2%
       Comércio
134.052
138.693
129.873
134.879
537.497

       Transporte, armazenagem e correio
55.645
57.297
55.157
56.864
224.963

       Serviços de informação
26.771
30.029
24.854
25.492
107.146

       Intermediação financeira, seguros, previdência complementar e serviços relacionados
70.695
71.938
73.133
75.023
290.789

       Outros serviços
162.035
174.457
164.296
174.363
675.151

       Atividades imobiliárias e aluguéis
85.825
88.413
90.260
93.439
357.937

       Administração, saúde e educação públicas
175.007
212.547
178.647
190.008
756.209

Valor adicionado a preços básicos
1.033.050
1.090.483
1.018.876
1.087.532
4.229.941

Impostos líquidos sobre produtos
181.791
202.814
185.182
183.654
753.441
15,1%
PIB a preços de mercado
1.214.841
1.293.297
1.204.058
1.271.186
4.983.382
100%
Método de Consumo
Despesa de consumo das famílias (C)
765.316
794.723
788.609
799.424
3.148.072
63,2%
Despesa de consumo da administração  pública  (G)
253.405
333.384
242.678
271.808
1.101.275
22,1%
Formação bruta de capital fixo  (I)
231.332
225.542
213.127
209.805
879.806
17,7%
Variação de estoque  (I)
-3.703
-34.716
6.230
17.495
-14.694
-0,3%
Exportação de bens e serviços  (X)
165.389
169.910
140.837
158.856
634.992
12,7%
Importação de bens e serviços (-)  (IM)
196.898
195.547
187.423
186.202
766.070
15,4%
PIB Total (C+I+G+(X-IM))
1.214.841
1.293.297
1.204.058
1.271.186
4.983.381
100%
    Fonte: Contas Nacionais Trimestrais (CNT) do IBGE


O método de consumo (os últimos sete linhas da tabela 1) nós mostra as porcentagens do PIB que estão consumido por famílias (C), empresas (I), e o governo.  Por exemplo, nós últimos 12 meses, o governo consumiu 22% do PIB, que é bem menos do que nossas estimativas da arrecadação, que fica em torno de 38%.  O vão de 16 % é devido transferências - dinheiro arrecado pelo governo, mas devolvido aos cidadãos para gastar como eles querem.  E como já escrevi encima, a maioria destes transferências são para segurança social e previdências (RGPS, COFINS, PIS/PISEP, CPSS).  

As linhas que se referem às exportações e importações são útil entender o balanço de comércio exterior.  Nos últimos 12 meses, por exemplo, tem importação de 766 B e exportação de 635 B, ou seja - um deficit de (766-635) = 131 B Reais.  No longo prazo, combinado com capital líquido saindo do país, esse deficit pode exercer uma pressão forte para baixo no cambio.  Mas pelo momento, o Banco Central parece comprometido e capaz de apoiar a taxa de cambio onde está - ou pelo menos evitar mudanças rápidas.

Recentemente, investimento público é um assunto de destaque na imprensa brasileira.  Esse porcentagem de 17,7% na linha de "formação de capital bruto" é investimento privado, e ganha muito espaço nas conversas públicas.  Por exemple, foi a meta do governo da Presidente Dilma atingir 25% do PIB, mas até agora essa meta não foi cumprida.  Para ter chegado a 25% nesses últimos 12 meses, o setor privado do Brasil teria que ter investido em torno de 500 B mais do que investiu.  Em outras palavras, tinha que aumentar investimento privado por 57% para atingir essa meta.  Isso exige muito dinheiro e tem que vir de algum lugar.  Ou esses verbas vem do setor público (na forma de novos impostos ou menos gastos em outras áreas), ou as famílias consomem menos e poupam mais para disponibilizar o dinheiro.  Mais uma opção é empréstimos do exterior do país, embora R$ 500 B por ano fica além do que seria razoável pedir.  Ouvindo dessa meta, qualquer jornalista com instrução em orçamento público vai perguntar imediatamente o que é o plano para atingir essa meta tão ousadia e de onde esse dinheiro virá.  Acredito que isso seja um bom exemplo de como ter um entendimento básico do tamanho do PIB e as componentes dele pode desafiar os líderes não só para fazer promessas mas também para demonstrar planos realísticos para os cumprir.

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